sexta-feira, 15 de abril de 2011

Quando eu ia morrer três vezes em Itabira

Estávamos eu e o kazé, olha o kazé aí de novo, andando por uma lagoa coberta de minério, lá em Itabira. Era legal andar sobre uma camada de minério grossa, que flutuava sobre o lago e balançava quando a gente pulava sobre ela.
O que a gente não sabia era que um enorme círculo em volta da gente estava sendo formado por conta de uma rachadura no minério, causada pelos nossos alegres pulos.
Como naqueles desenhos em que alguém está em um lago congelado e um círculo inteiro afunda com o personagem, de uma vez só. Mas a gente era criança então não tinha perigo nenhum. Só na nossa cabecinha, é claro.
Até que alguém gritou avisando que se continuássemos a pular, o minério iria rachar, a gente ia afundar, o minério ia se fechar de novo e a gente morreria afogado no lago, debaixo do minério.
Ficamos com medo, com muito medo mesmo, e saímos meio que rastejando pelo minério até sair do círculo rachado, e só então começamos a andar. Ufa!
Fomos andando assim, pra frente, eu achando que o kazé sabia para onde ia, e ele achando que eu é que sabia. Só sei que fomos parar em um lugar sensacional que parecia uma espécie de leito de rio seco, porém todo feito de argila e brilhante, por causa do minério de ferro.
Sentamos ali no chão, no leito do rio de argila que não se movia e logo estávamos entretido com a construção do enorme castelo para a guerra de argila que viria a seguir.
Uma beleza de castelo.
A gente brilhava feito aquele carinha do filme Crepúsculo, quando saiu ao sol.
Então eis que surge meu tio, pai do kazé, esbaforido e gritando com a gente: "Finalmente achei vocês!"
Pelo tom de voz a gente já sabia que tinha feito algo de errado.
"Vocês disseram que iam ficar na porta de casa, depois sumiram e tem 4 horas que procuro pelos dois!"
"A gente só deu uma volta" eu respondi, ou o kazé, não lembro mais.
Ele então levou os dois sujeitinhos brilhantes pra casa aplicando aquele sermão básico e explicando que ali lavava-se o minério e que a água suja passava por aquele local feito uma corredeira e que a gente podia ter morrido.
Na porta de casa ele pegou uma mangueira e disse que não entraríamos sujos daquele jeito, e começou a esguichar a água da mangueira na gente.
Kazé fala baixinho pra mim: "Pelo menos a gente não apanhou..."
Mas meu tio escutou, e aí sim ficou furioso de verdade.
"Tirem a roupa agora que eu vou lavar vocês direito!"
"Mas tio, a gente tá na rua!"
"Tira logo!"
"Mas pai..."
"Anda, tira!"
Tiramos a roupa ali, na calçada, e fomos "lavados" pelo nosso tio, enquanto crianças passavam pela rua e a gente tentava esconder, em vão, nossas partes íntimas.
E foi assim que eu quase morri três vezes em Itabira, primeiro afogado no lago, depois na água suja do minério e depois de vergonha, pelado na rua.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Alimentando as galinhas

Eu estava na casa do Kazé que era muito legal e tinha um quintal bacana com um pé de manga gigante e uma área de terra onde a gente fez o campinho. O campinho era todo torto e irregular, afinal era um quintal e não um campo, mas era perfeito. Sempre brincávamos por ali.
Um dia minha tia brigou com a gente porque estávamos sempre jogando a bola na casa do vizinho e então mandou parar tudo. Ficamos sem ter o que fazer, e criança sem ter o que fazer é um perigo. Foi aí que começamos a andar e vagar pelo quintal conversando e tentando encontrar algo novo para ocupar o tempo. Avistamos, debaixo da escada da casa do Kazé, um cômodo que estava, desde alguns dias atrás, cheio de galinhas. "Ela deve estar criando galinhas agora né, kazé?", "É, É!", "Vamos lá ver?"
E fomos até a porta do cômodo. Devia haver umas 12 ou 13 galinhas e um galo. Ficamos olhando e nada chamava a nossa atenção, eram apenas um bando de galinhas fedorentas.
Kazé: "viu que tem umas gordonas e umas magrelas?"
Eu: "Vi sim."
Kazé: "Umas devem passar fome. Vai ver que umas comem as comidas das outras, aí as outras ficam sem comer".
Eu: "É mesmo."
Katapuft! Nesse momento a criança sem noção do mundo emerge de dentro de mim: "Por quê a gente não dá comida pra elas? Muita comida mesmo, aí todas vão ficar cheias e nem as gordas vão dar conta da comida das magrelas."
"Isso mesmo, vamos pegar minhocas no quintal então", falou o kazé.
Voltamos ao quintal e cavamos buracos, desentarramos plantas e esburacamos o chão atrás de minhocas. O resultado foi uma lata de óleo até a metade com minhocas de todos os tamanhos.
"Pronto, agora vamos dar para as galinhas".
Mas, como distribuir as minhocas para as galinhas? Não tinha tantas assim para que as gordonas deixassem sobrar, e quando jogamos uma só para fazer um teste, uma das galinhas gordas voou sobre ela e não houve tempo para as magrelinhas.
"Por quê a gente não pega as magrelas e vai alimentando uma por uma?" Não sei quem foi o autor da frase infeliz...
Entramos no galinheiro e apesar do galo por perto fomos agarrando cada uma para iniciar o processo de alimentação das magrelas. A idéia consistia em abrir o bico dela à força, enfiar a minhoca dentro e então fechar para que ela engolisse.
Tentamos e tentamos, mas não era fácil.
"Vamos molhar as minhocas que aí elas escorregam melhor" falei.
Então saí do cômodo e voltei com uma lata, onde molhamos cada minhoca e aí sim, elas desciam "redondo" pela goela das magrelas. Até sobrou minhoca e, com exceção do galo, alimentamos as gordonas também.
No dia seguinte minha tia acordou a gente aos berros. Queria saber se a gente tinha algo a ver com a morte de todas as galinhas. Ela ia montar uma granja! Estava investindo, comprando e se preparando para fazer daquilo um comércio e, de repente, todas mortas!
Não foi a gente na época. Não mesmo.
Mas hoje ela já sabe que foi. E o líquido da lata era Kaol, um produto químico para fazer polimento de metais.
Que o Deus das galinhas as tenha.

Quando eu quebrei o brinquedo

Eu ganhei do meu pai um brinquedo que era assim, uma mesa de 1 metro por 75 centimetros e que era como um campo de futebol mas cheio de furinhos por onde o ar subia. Haviam 2 manetes e um disco que flutuava sobre a mesa por causa do ar saindo dos furos. É muito comum em alguns bares e parques ainda. Então eu ganhei essa mesa de futebol e brincava muito, muito mesmo.
Um dia meu primo apareceu lá em casa com um álbum de figurinhas da copa, do chicletes ping pong,  para me mostrar e, depois de ver o álbum e babar nas figurinhas, fomos jogar futebol na mesinha.
Jogamos e nos divertimos até aquele momento em que a gente diz "ah cansei de jogar isso".
Até aí tudo normal e tudo bem. Mas num rompante inexplicável de bondade, ou burrice, ou as duas coisas, eu disse: "Você quer essa mesa pra você?" E ele: "Claro que quero!" e foi embora feliz com sua nova mesa de futebol de disco voador.
Eu também fiquei feliz por um tempo, de ter dado a mesa, ou seja lá qual for o real motivo no meu inconsciente. Até minha mãe se dar conta que aquele objeto gigante havia sumido. Com seu jeitinho peculiar de me abordar ela me fez contar a novidade: "Dei ela".
O coro comeu. Nossa mãe, como o coro comeu!
Mas a mesa estava dada e deu tá dado quem toma é ladrão...
Um tempo depois fui até a casa do meu primo para brincar e ele não estava. Só encontrei minha vó que me disse que estava saindo, mas eu poderia ficar sozinho lá até meu primo voltar. "OK" eu disse.
Assim que ela saiu peguei a mesa de futebol e fui brincar sozinho. E aí, de novo, num súbito ataque inexplicável de vontade de reaver meu brinquedo gigante, me dei conta da bobagem que eu tinha feito. "Que grande droga!"...
Quando meu primo chegou viu o brinquedo quebrado. Eu expliquei a ele que quando estava brincando sozinho esbarrei na tábua de passar roupa ali ao lado e o ferro se desequilibrou e caiu sobre o tampo da mesa quebrando-a. Ele não gostou, mas, fazer o quê, acidentes acontecem. Jogamos o brinquedo fora e fomos ver as figurinhas.
O que ele não viu foi a cena horripilante do menino com um ferro de passar roupas na mão, com a ponta virada pra baixo, golpeando a mesa com toda a força do mundo, que hoje eu entendo como se fosse "se eu não tenho minha mesa de volta, ele também não" ou "bosta! bosta! bosta! como eu sou tão burro!"

terça-feira, 12 de abril de 2011

O roubo do Catchup

Não, não é que eu queria roubar um catchup na padaria... Ah, é sim, eu queria roubar um catchup na padaria. Eu planejei durante muito tempo. Todo dia minha mãe me mandava comprar pão. Era sempre "compra uma bisnaga e um leite". E ia eu pela rua Bicas até a mercearia. A moça da mercearia dançava jazz e eu gostava dela. Mas eu era muito tímido e não sabia como me aproximar e puxar assunto, o que seria uma bobagem já que eu tinha 8 anos e ela devia ter uns 30. Mas eu gostava dela e a observava enquanto passava um papel em volta da bisnaga e pegava o leite Itambé de saquinho. Eu entregava o dinheiro, pegava o troco e ia embora pensando em um dia falar alguma coisa. Meio parecido com a ruivinha do Charlie Brown... Foi assim durante muito tempo e eu sempre pensando em como falar com ela.
Um dia, após comer um copo de açucar, é, eu colocava 3 colheres de sopa de açucar em um copo e comia, fui comprar a bisnaga e resolvi falar com ela. Foi assim:
- Oi.
Ela:
- Oi.
- E aí, como vai o jazz?
- Han?
- É... não... nada não... eu quero uma bisnaga e um leite...
E saí constrangido, muito constrangido com a minha atuação.
Foi então que fiquei com ódio dela e decidi que ela deveria pagar, e o preço seria um catchup. Catchup era mais fácil por que ficava na estante bem perto da porta, seria só pegar e sair.
Durante vários dias sondei o ambiente e calculei como eu faria tudo. Na hora de ir embora eu olharia pra trás e, vendo que ela não estava olhando, eu pegaria o catchup, colocaria na sacolinha do leite e iria embora, vingado.
Não lembro qual dia foi mas saí determinado, depois de um copo de açucar, a pegar meu catchup. Entrei na mercearia nervoso, peguei a bisnaga e o leite, paguei e fui saindo devagar. Com a cabeça um pouco virada observei que ela estava de costas pra mim. Então estiquei o braço e quando ia pegar o catchup, ouvi:
- Ei... o troco...
Corri! Corri como nunca tinha visto ninguém correr antes. Não peguei o catchup, apenas corri. Corri para a liberdade. Corri para salvar minha vida! Corri para não ser preso para sempre pelo meu crime. Ah como eu corri!
Cheguei em casa e disse para minha mãe que havia perdido o troco. Ela gritou comigo, mas pareceu pouco, perto do medo de quase ter acabado com minha vida... Nunca mais fui à mercearia. Passei a ir na padaria, mais longe, mas ninguém me reconheceria ali.